Avatar Digital
Hoje vivemos para o mundo digital. O que nos faz mais sentido é quem nos tornamos como personagem nas redes sociais. Isso quer dizer que ser um avatar de si mesmo tem sido mais vantajoso por expormos uma aparente perfeição diante daquilo que é exigido como parâmetro que deve ser seguido por todos. Muitos já deixaram de ser indivíduos reais, cujos dramas e dificuldades fazem parte de suas existências humanas, para se tornarem um personagem que está acima das dores humanas, que não se abala por nada que é contrário aos seus desejos e que está sempre com uma aparência vislumbrante, digna de aplausos e exaltação constante de seus adoradores. Ora, o mundo digital se tornou mais ficção do que realidade propriamente, porque não reflete o mundo real das pessoas normais. As pessoas normais vivem os seus momentos de alegria, também tendo que superar os seus momentos de tristeza. Esta é a dinâmica da vida que nos torna unicamente humanos, em que muitos, através de uma realização efêmera e tola de um avatar de rede social, se esquecem por conta de uma promessa futura de realização pessoal ou felicidade sentimental momentânea. Muitos parasitam esse modus operandi e se esquecem da realidade — realidade esta que pode ser difícil de ser encararada por haver dramas reais que necessitam ser encarados com uma devida coragem.
Aliás, o que é a realidade para esses avatares se não um conjunto de problemas que precisa ser esquecido? Se torna um problema quando o indivíduo não entende o significado do que é a sua realidade e tenta , a todo custo, esquecê-la. Apesar dos dramas e situações que inibem o nosso poder de ação, a realidade atual, que é viva na carne e nos sentidos que captam as suas expressões mais autenticas, é o que temos de melhor, mesmo não sendo perfeita como nas fantasias que colocaram em nossas cabeças através desse tipo de personagem atuante como é o avatar digital. O que a vida se não existir certos dramas que necessitam ser superados? Através dessa superação, podemos obter algum crescimento. Porém, se não nos permitirmos trilhar esse caminho de crescimento — pavimentado pelo sofrimento e privações que nos torna seres humanos maduros — e buscarmos o caminho fácil de uma fantasia virtual, o mundo real não se sujeitará a isso, entrando em conflito com aquilo que é apresentado aos outros através das redes sociais e o que é vivido de fato no mundo real, no mundo físico de pessoas em que alguns padecem com suas rotinas deprimentes e outros progridem com decisões mais inteligentes. O virtual não se sustenta com a realidade que tenta disputar espaço.
Esse viver de forma digital é baseado nas impressões que imediatamente são captadas através do estímulo em conjunto com o desejo. O avatar digital vive de impressões. Quanto mais transparecer uma realidade maravilhosa, mesmo sendo uma farsa, melhor será. Desta maneira, ganha-se muito dinheiro e prestígio explorando o desejo alheio que sempre gira em torno daquilo que é mais atrativo: dinheiro fácil, sucesso, reconhecimento social, desejos sexuais atendidos e poder sobre as outras pessoas. Para a grande maioria, isto é o mundo a ser conquistado. Nada além pode existir se não esses aspectos e tudo aquilo que há de mais baixo na existência humana. Se essas impressões são atendidas, o avatar digital é alimentado. A vantagem está em quanto de impressão esse avatar é capaz de gerar nos outros que facilmente se dispersam em redes sociais, moldando a forma como as pessoas devem se portar no geral, seja na aparência ou no comportamento.
Em décadas passadas, isso era impensável. O máximo que veríamos um avatar era através de telenovelas e revistas de mulheres sensuais. Por não existir internet e nem smartphone, as pessoas viviam sem se preocupar tanto em ser um avatar. Hoje, com todo esse circuito de recompensa em dopamina barata sendo gerada de forma fácil, as pessoas se tornaram viciadas. Esse vício as tornou dependentes não só dos estímulos fáceis que a busca por uma novidade sempre dá — vídeos curtos um atrás do outro —, mas de ser quem não é para parecer ser alguém, porque, no fundo de toda frustração, existe um indivíduo que se acha ser um ninguém e deseja ser alguém sendo apenas um personagem para impressionar os outros. É uma coisa que não muda a vida de alguém além da aparência efêmera. O indivíduo continuará sendo um ninguém porque a aparência não muda o que está por detrás das cortinas que ninguém vê. Isto, portanto, só se trata de uma casca vazia que reflete um anseio tolo de parecer ser algo fora da realidade.
Mas, apesar dos problemas, essa realidade — a realidade fora do mundo digital — é a melhor que temos, pois é simplesmente algo que pode ser vivido autenticamente. Se o nosso viver somente se resumir a assumir um personagem fictício nas redes sociais, o que será a vida se não um aspecto que se torna vazio de substância? Você acaba se tornando um ser vazio que nada tem a oferecer fora desse mundo virtual, e a vida não espera: ela continua requerendo sua atenção ao que realmente importa. O que acaba importando são as impressões que serão geradas a partir de uma vida falsa, que é utilizada para fins mesquinhos de ganho próprio através do desejo alheio. O que pode ser construído através disso? Absolutamente nada, que pode ser facilmente descartado no lixo do esquecimento perpétuo do tempo, porque é isso que é esperado para esse avatar digital. E de fato, é difícil viver o mundo real quando somente existem dramas internos para resolvermos, mas viver na realidade é buscar uma resposta real para os problemas que nos atormentam. O avatar digital somente esconde um problema real que é vivido na realidade. A questão crucial é sabermos o que faremos para viver o mundo real e encarar a dura realidade que nos cerca. Avatar digital algum responderá essa questão a não ser nós mesmos vivendo o mundo real.
Ótimo texto!
ResponderExcluirObrigado!
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